segunda-feira, 14 de maio de 2012

SOBRE O “ANENCÉFALO”. Texto de Irvênia Prada.



O STF - Supremo Tribunal Federal acaba de legalizar o abortamento intencional do “anencéfalo”. Dezenas de hospitais em todo o território nacional serão credenciados para cumprirem esse procedimento, com treinamento de médicos e outros profissionais da área da saúde. Tanto investimento... para se executar a morte de seres indefesos! Entramos perigosamente em uma era em que mesmo na linha de produção da vida, não se toleram imperfeições. Apresentou algum defeito? Vai para o descarte!

          Como entender o que está acontecendo? Vamos por partes! 

O que se entende por anencéfalo? 

          A Terminologia Anatômica Internacional (lista oficial de termos anatômicos) considera como encéfalo, a porção do sistema nervoso que se aloja dentro da cavidade craniana, sendo composta pelo tronco encefálico, cerebelo, diencéfalo e cérebro (hemisférios cerebrais). Portanto, os termos cérebro e encéfalo não são sinônimos, apesar de serem utilizados vulgarmente como tal. Considerando-se que as partículas “a” e “an” utilizadas como prefixo indicam ausência, supressão, negação, a rigor anencéfalo seria o indivíduo sem encéfalo, isto é, com a cavidade craniana totalmente oca, vazia, o que em absoluto, não é o caso desses fetos. Eles são chamados de “anencéfalos”, mas não são anencéfalos. O correto seria dizer que eles são portadores de “malformação encefálica” e por vezes, também de “malformação craniana”, quando não se completa o fechamento superior da cavidade óssea. 

Como se caracteriza o encéfalo de um “anencéfalo”? 

          Cada caso é um caso, mas uma coisa é certa: todo feto (chamado de) “anencéfalo” que se desenvolve de maneira organizada no útero materno, formando um corpinho com características humanas, com batimentos cardíacos e outras funções viscerais, tem preservada, pelo menos, a porção mais profunda do encéfalo, que o neurocientista Wilder Penfield nomeia de “tronco cerebral alto”, e que incluiria o tronco, o cerebelo, o diencéfalo e a base dos hemisférios cerebrais. Esse tronco cerebral alto, que todo anencéfalo tem, sustenta os mecanismos neurofuncionais da respiração, do rítmo circadiano de sono/vigília, dos batimentos cardíacos, do peristaltismo gastrointestinal, do controle de temperatura orgânica, do controle vasomotor, do controle de motoneurônios e de “gates” nas vias neurais da dor. 

          O que geralmente falta é a porção mais superficial dos hemisférios cerebrais, isto é, partes maiores ou menores do córtex cerebral, que é a camada de substância cinzenta que reveste externamente os hemisférios cerebrais. 

Os “anencéfalos” têm espírito? 

          O conceito equivocado de que o “anencéfalo” não tem cérebro, leva muita gente do meio espírita a concluir, também equivocadamente, que “não tendo cérebro, não deve ter espírito”, o que poderia justificar a indicação do aborto. A Dra. Marlene Nobre, em artigo na Folha Espírita, no. 368, esclarece: “...os corpos para os quais poderíamos afirmar que nenhum espírito estaria destinado seriam os dos fetos teratológicos, monstruosos, que não tem nenhuma aparência humana, nem órgãos em funcionamento”. Portanto, este não é o caso dos “anencéfalos”. A questão 356 b de O Livro dos Espíritos também é bastante elucidativa. Pergunta-se: “Toda criança que sobrevive tem necessariamente, um espírito encarnado?” Resposta : “Que seria ela, sem o espírito? Não seria um ser humano”. 

          Como nos esclarece a literatura espírita, a ligação da consciência com o corpo físico se faz com a implicação de estruturas integrantes do tronco cerebral alto, que todo “anencéfalo” tem (inclusive a glândula pineal), conforme se lê nas obras de André Luiz “Evolução em Dois Mundos”, capítulos IX e XIII, “Entre a Terra e o Céu”, capítulo XX e Missionários da Luz, capítulo 2. 

          É importante que se tenha em mente: todo feto que se desenvolve no útero materno, formando um corpinho com características humanas, com batimentos cardíacos e outras funções viscerais, mesmo sendo portador de malformação encefálica, é um espírito reencarnante na vigência de difícil prova, necessitando mais do que nunca, da misericórdia e do amor de todos nós. 

Os “anencéfalos” podem sobreviver? 
          Segundo a Sociedade Brasileira de Genética Médica, em mais de 50% dos casos, a morte do feto se dá ainda durante a gestação. Alguns vivem por horas, semanas, meses ou alguns anos, após o nascimento. Existem na mídia, relatos emocionantes de vários casos de “anencéfalos” que vivem por períodos mais dilatados, cercados pelo amor dos pais e outros familiares e assim vão vencendo as suas dificuldades reencarnatórias. 

          Especialmente para nós, que nos dizemos espíritas, o tempo de vida que se supõe para uma criança, não pode representar critério para se decidir quem deve viver e quem deve morrer. Por vezes uma curta gestação é o tempo de que o espírito precisa para se recompor de algum problema em seu perispírito. Além do mais, não fomos nós que criamos a vida, nem sequer a dos nossos próprios filhos. Ela é um bem outorgado. Cada novo ser que se forma a partir da célula ovo (zigoto) é único no universo e a sua vida não pertence à família, ao estado, ao médico e nem aos ministros do STF, mas somente a ele mesmo e Àquele que o criou. 

A mãe que gesta um “anencéfalo” corre riscos em sua saúde ? 

          Estudos realizados na Universidade Federal de São Paulo indicam que metade das mulheres com gestação de “anencéfalos” apresenta variações no líquido amniótico. Como esses fetos de modo geral têm dificuldades de deglutir esse líquido, ele se acumula em quantidade maior na bolsa amniótica. Os cuidados médicos são portanto necessários, como em qualquer gestação, pois são muitas as situações, além desta de que estamos tratando, em que os riscos para as mães, podem ser maiores. 

Pode haver conseqüências negativas para a mãe que aborta? 

          O Dr. Gilson Luis Roberto, presidente da Associação Medico-Espírita do Rio Grande do Sul, autor de um dos capítulos do livro “A Vida do Anencéfalo. Aspectos científicos, religiosos e jurídicos” (AME – BR, 2009)”, chama a atenção para o fato de que hoje há muitas pesquisas indicando o pulso inconsciente do chamado “luto incluso”, ou seja, de um luto que não foi efetivamente vivenciado, uma vez que o feto abortado não é sepultado, pois ele é incinerado juntamente com outros “resíduos hospitalares”. Esse luto que foi negado permanece no sub-consciente da mãe gerando, a médio prazo, perturbações mentais alicerçadas no sentimento de culpa, no remorso e, como sabemos, nos processos obsessivos que normalmente aí se instalam. Nenhum de nós, continua o Dr. Gilson, que defende a vida do feto, está alheio ao sofrimento da mãe e da família. Mas, o aborto intencional está longe de ser a solução. É imperativo o amparo estatal e a fraternidade de familiares e amigos no cuidado de ambos, mãe e filho, pois mais do que ninguém, nós espíritas sabemos da necessidade dos reajustes reencarnatórios e do aprendizado de novas lições, que atinge a todos nós. O que dizem os favoráveis ao abortamento Mesmo em se considerando apenas aspectos científicos no caso dos “anencéfalos”, muitas são as opiniões equivocadas que circulam pela mídia – “esse feto sem cérebro não tem condições de viver”; “já é um feto morto”; “é um computador sem processador”; “a mãe carrega em seu útero um cadáver”... Infelizmente, também não encontram fundamento algum dentro da Neurociência e da Psiquiatria, segundo meu entendimento, os textos correspondentes aos votos dos oito ministros do STF que se pronunciaram favoravelmente ao abortamento intencional do “anencéfalo”, conforme matéria da Folha de São Paulo – C1, de 13 de abril/12: “O feto anencéfalo é incompatível com a vida” (Ministro Marco Aurélio Mello – relator); ”Não há interesse em se tutelar uma vida que não vai se desenvolver socialmente” (Ministra Rosa Weber); “O feto anencéfalo não tem viabilidade de desenvolver uma vida extrauterina” (Ministra Cármen Lúcia); “O feto anencéfalo não está vivo e sua morte não decorre de práticas abortivas” (Ministro Celso de Mello); “O aborto neste caso, zela pela saúde psíquica da mulher” (Ministro Gilmar Mendes). Pelo contrário, senhores ministros, tudo o que hoje sabemos dos “anencéfalos” somente vem a favor de uma firme postura contra seu abortamento intencional e sua eventual disponibilidade como doadores de órgãos. Como nós, ele também são seres humanos e merecem todo o nosso respeito, até porque se encontram fragilizados e precisam de amor, de muito amor, e não de uma sentença de morte. 

          Como é difícil convencer os abortistas, mesmo através de argumentos apenas “científicos”, uma vez que por premissa eles se mostram refratários a posturas religiosas. A Dra. Marlene Nobre – presidente da AME (Associação Medico-Espírita) do Brasil e eu estivemos presentes em uma audiência pública em que se discutiu a questão do abortamento do “anencéfalo”, no STF em Brasília, em setembro de 2008 e lá tivemos oportunidade de expor aos senhores ministros e aos participantes, todos os argumentos possíveis, em favor da vida desses pequenos seres indefesos. Quando nos retirávamos do recinto, uma pessoa da mídia nos abordou, elogiou nosso esforço, mas nos alertou para o fato já conhecido, de que na cabeça petrificada “deles” não entraria mais nada... e foi o que aconteceu! 

Preocupações que surgem 

          A decisão favorável do STF pela interrupção da gestação de “anencéfalos”, com o tempo pode se ampliar para outros casos, pois existem várias anomalias congênitas graves, como a agenesia renal bilateral (ausência de formação dos rins), a holoprosencefalia (ausência de formação do lobo frontal do cérebro) e malformações cardíacas e cerebrais múltiplas, alem de aberrações cromossômicas. Quem vai conseguir limitar o grau de abertura dessa lamentável decisão? 

Concluindo... 

          Dos dez ministros do STF que votaram em relação ao abortamento do “anencéfalo”, houve apenas dois votos contrários, o do Ministro Ricardo Lewandowski e o do Ministro Cézar Peluso. O primeiro alegou razões de ordem, referindo que a decisão do assunto não cabia ao STF, mas sim ao Congresso Nacional, enquanto o segundo votou pelo mérito da questão, declarando: “O feto anencéfalo está vivo. Assim, a interrupção da gestação é crime tipificado como aborto”. Parabéns, Senhor Ministro, por ter apreendido o verdadeiro sentido da questão e por ter tido, solitário, coragem de respeitar a vida cumprindo assim, com dignidade, o papel que lhe foi outorgado, de executor da verdadeira justiça. 

          Sou atuante nos movimentos de defesa e proteção dos animais e tantas vezes me peguei entristecida pela maneira como eles são (mal) tratados por seres humanos insensíveis. 

          Agora, pergunto como qualificar esse sentimento que me invade, frente à “coisificação” de um pequenino ser humano completamente fragilizado e indefeso, em formação dentro do útero de sua mãe! “Coisa” que se resolve descartar porque incomoda, fere a “dignidade da mulher”, como postulam os defensores do aborto. Aliás, eles não gostam que se chame o procedimento que recomendam, de “aborto”, mas sim de “antecipação do parto”! Como bem referiu Lenise Garcia, do “Movimento Brasil sem Aborto”, “Já temos um problema concreto: a criança nasce viva, mas está juridicamente morta, segundo o STF. Ela vai ter certidão de nascimento ou de morte?” 

          A Madre Tereza (de Calcutá) tinha razão ao dizer: - “O aborto provocado é uma das minhas maiores cruzes; é a barbárie contra a paz do mundo, porque se uma mãe é capaz de matar o seu filho, o que pode evitar que nos matemos uns aos outros?”


Irvênia Prada é médica veterinária, Professora Titular Emérita (aposentada) da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, com especialização em Neuroanatomia. Membro da Associação Medico-Espírita do Brasil, atuante na divulgação da Doutrina Espírita.

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