sexta-feira, 22 de junho de 2012

Porque a música “acorda” pacientes em coma?



Um caso médico peculiar ficou famoso nos últimos dias: Charlotte Neve, uma garotinha britânica de apenas 7 anos que havia entrado em coma, acordou de repente ao ouvir a música “Rolling in the deep”, da cantora Adele.
A reação da menina foi inesperada. Em uma noite normal da vida da família, Charlotte sofreu uma hemorragia cerebral provocada por um aneurisma na artéria principal na parte de trás de seu cérebro enquanto dormia.
Mesmo depois de duas cirurgias para estancar o sangramento, a garota permaneceu em coma. O caso era considerado grave e os médicos inclusive aconselharam que a mãe se despedisse da filha.
Mas, ao se aproximar de sua cama, começou a tocar no rádio “Rolling in the deep”. A mãe, emocionada, lembrando que costumavam cantar a música juntas, começou a cantarolar para a filha. Então veio a surpresa: Charlotte deu seu primeiro sorriso.
Dois dias depois, voltou a falar, distinguir cores e se levantar da cama sozinha. Dois meses depois, voltou a andar, começou a fazer terapia da fala e recuperou parte da visão que havia perdido. Já regressou à escola e às aulas de dança.
Que milagre é esse? “Foi um estímulo saliente, algo com que ela é familiar, como o seu nome”, explicou o
Dr. Emery Neal Brown, professor de anestesiologia do Hospital Geral de Massachusetts e da Universidade de Harvard, e professor de neurociência computacional no Instituto Tecnológico de Massachusetts, todos nos EUA.

Ele acredita que Charlotte tinha recuperado algum funcionamento do cérebro, imperceptível, antes de ouvir a música de Adele. A canção finalmente serviu como um “empurrãozinho” para ela acordar, porque tinha significado para a menina (essa é a parte do estímulo saliente).
Brown diz que o estímulo saliente varia de pessoa para pessoa, porque tem a ver com as coisas que têm significado para cada um. “As memórias que têm um contexto emocional para as pessoas tendem a manter muito mais poder no cérebro e serem processadas de forma diferente”, reforça o Dr. Javier Provencio, diretor da Unidade de Tratamento Neurológico na Clínica Cleveland (EUA).
Outro exemplo é Robin Gibb, dos Bee Gees, que acordou do coma quando sua família tocou uma música – com um músico profissional que cantava com seus irmãos – para ele. A situação tinha profundas conexões significativas no seu cérebro, e provocou uma reação.
Para um jogador de tênis ou um amante de animais, uma canção poderia não encorajar uma resposta. Mas geralmente a música desperta emoções nas pessoas, e por isso é uma boa forma de “ativar uma resposta” no cérebro.
O poder musical


Às vezes, a música provoca uma reação porque o cérebro processa canções de forma diferente do que a linguagem falada. Nestes casos, a região do cérebro responsável pela música pode funcionar melhor do que a responsável pelo idioma. “Nós claramente processamos a música de forma diferente que o idioma. Há pacientes que tiveram derrame e não podem falar, mas ainda podem cantar”, conta Provencio.

O hemisfério esquerdo cerebral controla a linguagem, enquanto a música é processada no direito. Pacientes com lesões no lado esquerdo podem responder melhor a canção. “Eles perdem a capacidade de falar e entender, e por isso a musicoterapia é muito útil”, explica o Dr. James Bernat, professor de neurologia e medicina na Faculdade de Medicina de Dartmouth (EUA) e membro da Academia Americana de Neurologia.
Musicoterapeutas usam a música para tentar evocar respostas de pacientes comatosos. Canções que eles já conhecem são mais eficazes.
A medicina tem uma compreensão limitada do coma, e portanto é difícil prever se alguém vai se recuperar de um, ou não. Mas é consenso que Charlotte já estava se recuperando antes de sorrir. “Mesmo em coma, é bastante comum que essas pessoas melhorem espontaneamente”, afirmou Bernat. “Elas acordam e começam a responder. Não é tão diferente do que é esperado hoje”.
Para nós, parece extremamente raro e improvável. Para a medicina, acostumada com tal caixinha de surpresas, não parece tão impossível assim.

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